De acordo com o modelo científico moderno, bastaria analisar um conjunto de dados, onde foram comparados diferentes tipos de abordagens em casos semelhantes e escolher o método com maior nível de evidência, isso é, onde existe a maior probabilidade de melhora do paciente. Considerando este formato, não parece algo difícil de ser aplicado, ou complexo de ser reproduzido.
Entretanto, quando uma teoria complexa é verificada por uma metodologia reducionista, parte das variáveis confundidoras são desconsideradas, assim lacunas são abertas e a reprodutibilidade do experimento nem sempre é exata. Na prática, o grande desafio é compreender que pacientes com problemas semelhantes, tratados com técnicas que têm boa probabilidade de melhora, nem sempre têm atendidas suas expectativas, ou reagem ao tratamento da mesma forma.
Em teoria, compreender o por quê isso acontece também é simples, pois a saúde envolve uma série de variáveis distintas capazes de interferir no comportamento das doenças, portanto é impossível imaginar que um tratamento único possa suprir todas as demandas de pessoas diferentes.
Esse texto não é uma crítica destrutiva ao método científico moderno, pois essa forma como os dados são categorizados e interpretados, dificulta cada vez mais o uso de terapias de baixa eficácia e ajuda nas escolhas de tratamento pelos profissionais, especialmente quando surgem maiores dificuldades na interpretação de uma avaliação clínica.
A questão em foco é: “A probabilidade de um indivíduo X, que tem comportamento, estrutura física, mental e vive em ambiente diferente do indivíduo Y será sempre a mesma?” Sistemas complexos distintos reagem da mesma forma, quando recebem estímulos semelhantes?
DE ONDE VEIO TUDO ISSO?
Princípios clássicos analíticos, enunciados por Galileu Galilei e Isaac Newton no século XVII, foram introduzidos na Medicina por Claude Bernard no século XIX como um novo método científico.
Neste modelo, o estudo de um problema verifica o comportamento de suas variáveis de maneira individual e sistematizada, sugerindo um padrão de análise linear – com aproximações e correções numéricas – que explicam as discrepâncias e, só então, disponibilizam a condição de aditividade. Em outras palavras: uma equação que descreve se o comportamento do todo tem a mesma forma que as equações que descrevem o comportamento das partes.
O método científico proposto por Descartes e que predominou até o final do século XIX e o início do século XX, ficou conhecido como “Determinismo Mecanicista” e se resume aos seguintes princípios: o conhecimento é o resultado da captura de verdades por um sujeito sobre um objeto; o sujeito percebe o objeto a partir de exercícios sensitivos e racionais que devem ser organizados de forma metodológica a fim de se obter o conhecimento verdadeiro; o objeto é separado do observador; conhecer o objeto é igual a dominá-lo; para conhecer o todo, basta conhecer as partes; o método cartesiano, nesse sentido, implica em uma simplificação onde o objetivo é encontrar lei universal que explique todas as coisas; o mundo pode ser expresso por meio de equações matemáticas; o mundo deve ser compreendido, dominado e modificado em favor do homem.
Considerando o modelo reducionista, mecanicista e a probabilidade como forma de interpretação numérica chegamos ao dualismo, onde uma hipótese testada pode ser classificada de duas formas: nula ou verdadeira.
Na década de 20, não satisfeito com a abordagem mecanicista da Biologia, Ludwig Von Bertalanffy propôs uma concepção organicista com ênfase na consideração do organismo como um conjunto ou sistema. Esta proposta defendia a observação de sistemas complexos como entidades não lineares, compostas de partes em interação sujeitas a uma diversidade de variáveis. Uma clara passagem da visão mecanicista para uma visão organicista.
Em busca de autorregulação, sistemas biológicos apresentam uma interação harmônica entre suas partes. É fundamental que trabalhem em conjunto e assim produzam comportamento coerente e com liberdade de ações interconectadas. Por convenção este modelo de referencial teórico é estudado pelas Teorias da Complexidade e do Caos, pois analisam o comportamento de sistemas que apresentam características de previsibilidade e ordem mesmo aparentemente aleatórios.
QUAL A MELHOR FORMA DE ADAPTAÇÃO AO MEIO?
Considere a seguinte situação, organismo A tenta adaptar-se ao meio onde vive através de respostas probabilísticas ordenadas de duas formas, certo ou errado. Organismo B, busca sua adaptação através de entendimento do ambiente, considera cada variação para determinar a melhor forma de reação em busca de maior conforto e sobrevivência.
Este é um paradoxo comum nos dias de hoje, existem modelos que procuram simplificar respostas e modelos que buscam construir caminhos diferentes dependendo de cada situação.
No mundo perfeito, respostas que foram testadas de diferentes formas e apresentam resultados satisfatórios ao seu propósito principal deveriam facilitar a construção de caminhos específicos, mas jamais poderiam determinar exatamente sua rota ou sua trajetória em situações distintas.
Entre os gurus das receitas milagrosas e os gurus das verdades absolutas o melhor caminho ainda é recorrer a conciliação das bases fundamentais da pesquisa científica, como a anatomia, fisiologia, biomecânica, entre outras, para fundamentar ações, gerenciar processos de tratamento e buscar resultados satisfatórios aos pacientes, com o maior conforto e no menor tempo possível.
O resultado, analisado sob condições éticas, morais e científicas, ainda é a maior verdade que o terapeuta busca oferecer aos seus clientes. O grande tribunal que define o certo e errado, em um sistema complexo, é a capacidade do organismo alcançar sua adaptação, mantendo ou melhorando sua saúde, performance e fisiologia, fortalecendo-se para superar os obstáculos do ambiente, dentro das condições do seu momento.
Movimento, dor e desempenho não dependem apenas de ações isoladas. Atletas que se alimentam bem, treinam ao máximo de sua capacidade e descansam de forma adequada necessariamente não irão desenvolver a mesma performance em suas modalidades, mas terão maior probabilidade de melhorar suas capacidades ao longo do tempo.
Usadas as estratégias comuns para performance e treinamento, junto com as habilidades específicas é possível que cada sujeito, atleta ou paciente esteja mais próximo do seu melhor desempenho naquele momento.
Um bom terapeuta é aquele capaz de identificar as falhas, dificuldades ou barreiras que impeçam ou limitem este caminho, problemas que provoquem sobrecarga de trabalho ou função, situações que coloquem o organismo mais próximo a um ponto de colapso, além disso, o profissional deve buscar caminhos e formas que aproximem o indivíduo dos seus objetivos superando as necessidades ambientais a que estão sujeitos.
Se a resposta for muito óbvia, provavelmente a pergunta não foi bem feita.
Bruno Moreno – @brunogdmoreno