Escrito por Dra. Angelica Ferrari: @angelicaferrariv
A dismenorreia primária é uma das queixas ginecológicas mais comuns entre mulheres em idade fértil, caracterizada por dor pélvica cíclica que surge durante o período menstrual, sem associação com patologias ginecológicas identificáveis. Estima-se que entre 45% e 93% das mulheres no mundo experienciem essa condição ao longo da vida (Bonner et al., 2024; Muñoz Rodríguez, 2025). A dor intensa pode vir acompanhada de sintomas como náuseas, vômitos, cefaleia e alterações intestinais, prejudicando a qualidade de vida e a produtividade das mulheres afetadas.
O tratamento convencional da dismenorreia primária geralmente envolve o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e anticoncepcionais hormonais. Contudo, essas opções nem sempre são eficazes para todas as pacientes e apresentam efeitos adversos, como úlceras gástricas, risco cardiovascular e outros problemas. Nesse cenário, a osteopatia tem ganhado destaque como uma intervenção terapêutica complementar promissora para o tratamento da dor menstrual.
Como a Dismenorreia Primária se Desenvolve?
A dismenorreia primária costuma se manifestar logo após a menarca, a primeira menstruação, e é mais prevalente em mulheres jovens, especialmente aquelas com ciclos menstruais regulares. Sua origem está ligada à produção excessiva de prostaglandinas, substâncias químicas produzidas pelo corpo que causam contrações uterinas. Essas contrações, por sua vez, podem levar a hipóxia uterina (falta de oxigênio no útero), resultando em dor isquêmica.
O desenvolvimento dessa dor pode ser exacerbado por fatores como níveis elevados de estrógeno e progesterona, que influenciam a liberação de prostaglandinas. Além disso, o sistema nervoso autônomo, que controla funções involuntárias do corpo, pode ser ativado de forma excessiva, intensificando a dor. Fatores genéticos, estresse, alimentação inadequada, obesidade e tabagismo também podem contribuir para o agravamento dos sintomas, embora a causa exata ainda seja motivo de pesquisa.
É importante notar que a dismenorreia primária geralmente não está associada a outras condições ginecológicas, como endometriose ou miomas uterinos, que são causadores da dismenorreia secundária. Mesmo assim, os sintomas podem ser debilitantes e afetar a qualidade de vida da mulher.
O Que a Ciência Diz?
Diversos estudos têm investigado a eficácia da osteopatia no tratamento da dismenorreia primária, demonstrando resultados positivos na redução da dor e melhoria da qualidade de vida. Um ensaio clínico randomizado publicado no Journal of Bodywork & Movement Therapies (Plathner & Wolf, 2025) revelou que cinco sessões de tratamento osteopático individualizado, ao longo de três ciclos menstruais, foram suficientes para reduzir significativamente a intensidade da dor (uma diferença média de 1,7 pontos na escala de avaliação de dor) e diminuir a duração das cólicas em 0,8 dias.
Uma revisão sistemática de Muñoz Rodríguez (2025) que analisou 8 estudos clínicos de alta qualidade metodológica, também concluiu que a osteopatia pode ser eficaz na redução da dor menstrual. As técnicas mais utilizadas nos estudos incluíram manipulações articulares (HVLA), liberação miofascial, energização muscular (ME), counterstrain, liberação do plexo abdominal, entre outras, todas associadas à redução da dor, diminuição do uso de analgésicos e melhora na qualidade de vida das mulheres tratadas.
Como a Osteopatia Atua na Dismenorreia Primária?
O raciocínio osteopático parte do princípio de que disfunções somáticas em regiões como a pelve, a coluna lombossacral, os plexos autonômicos e as estruturas viscerais pélvicas podem influenciar reflexamente a função uterina, amplificando a dor menstrual. Essas disfunções são conhecidas como reflexos viscerossomáticos e são identificadas por meio do modelo TART (alterações de textura tecidual, assimetria, restrição de movimento e sensibilidade à palpação).
O tratamento osteopático busca restaurar o equilíbrio do sistema autonômico, melhorar a mobilidade visceral e a perfusão sanguínea da pelve, aliviando a hiperatividade contrátil induzida pelas prostaglandinas. Entre as técnicas mais utilizadas, destacam-se:
- Liberação do diafragma pélvico;
- Mobilizações articulares;
- Tratamento da fáscia toracolombar;
- Manobras de manipulação visceral.
Essas técnicas ajudam a melhorar a circulação sanguínea na região pélvica, aliviar a tensão muscular e restabelecer o equilíbrio das funções autonômicas, o que pode reduzir a dor e o desconforto associados à dismenorreia.
Um exemplo prático é o estudo de Molins-Cubero et al. (2014), que mostrou que a manipulação sacroilíaca bilateral com HVLA (alta velocidade e baixa amplitude) levou a um aumento significativo nos níveis de serotonina e redução da dor nas mulheres com dismenorreia primária.
Perspectivas para a Prática Fisioterapêutica
A inclusão da osteopatia na prática fisioterapêutica pode oferecer uma alternativa segura e eficaz no tratamento da dismenorreia primária, especialmente para mulheres que têm baixa adesão ao tratamento farmacológico ou dificuldade de acesso a cuidados convencionais. Para fisioterapeutas com formação especializada em Terapia Manual ou Osteopatia, essa abordagem permite tratar a dor de maneira holística e centrada no paciente, abordando tanto os sintomas quanto as causas subjacentes da dismenorreia.
Embora os estudos revisados mostrem resultados positivos a curto prazo, ainda é importante aprofundar a pesquisa científica com ensaios clínicos controlados, acompanhamento prolongado e a padronização das técnicas aplicadas para comprovar a eficácia do tratamento osteopático.
Conclusão
Para fisioterapeutas, a osteopatia oferece uma abordagem eficaz e segura no tratamento da dismenorreia primária, com técnicas como manipulações e liberação miofascial, proporcionando alívio da dor e melhorando a qualidade de vida das pacientes. Essa abordagem pode ser uma excelente alternativa aos tratamentos medicamentosos, com menor risco de efeitos adversos.
Para pacientes, se os tratamentos convencionais não estão funcionando ou causam efeitos colaterais indesejados, a osteopatia pode ser uma opção natural e eficaz. Procure um profissional qualificado em Terapia Manual ou Osteopatia para avaliar o melhor tratamento para o seu caso e encontrar um alívio sustentável para as cólicas menstruais.
Referências:
- Plathner M, Wolf L. Effectiveness of osteopathic treatment in women with primary dysmenorrhea: A randomised controlled trial. J Bodyw Mov Ther. 2025;42:684-692.
- Muñoz Rodríguez A. Efectividad del tratamiento osteopático en la dismenorrea primaria. Eur J Ost Rel Clin Res. 2025;20(1):6-16.
- Bonner PE, Paul HA, Mehra RS. Osteopathic Manipulative Treatment in Dysmenorrhea: A Systematic Review. Cureus. 2024;16(1):e52794.
- Matsushita S, Wong B, Kanumalla R, Goldstein L. Osteopathic Manipulative Treatment and Psychosocial Management of Dysmenorrhea. J Am Osteopath Assoc. 2020;120(7):479-482.
Molins-Cubero S et al. Changes in pain perception after pelvis manipulation in women with primary dysmenorrhea: a randomized controlled trial. Pain Med. 2014;15(9):1455-1463.