Muito além da ATM: a visão Osteopática no Tratamento da DTM

Escrito por Dra. Angelica Ferrari: @angelicaferrariv 

DTM: uma disfunção complexa que exige uma abordagem integrativa

A disfunção temporomandibular (DTM) é uma condição multifatorial que envolve alterações estruturais e funcionais da articulação temporomandibular (ATM), musculatura mastigatória, tecidos miofasciais e até sistemas viscerais. Seus sintomas vão muito além da dor localizada: envolvem cefaleia, zumbido, sensação de ouvido tampado, dor cervical, limitação funcional e desconforto psicossocial. Estudos estimam que entre 10% e 25% da população geral apresenta algum grau de DTM, sendo as mulheres entre 20 e 40 anos as mais afetadas.

Diante dessa complexidade, abordagens que reconhecem a interconexão entre sistemas musculoesquelético, visceral e neurovegetativo, como a osteopatia, vêm ganhando espaço dentro da fisioterapia baseada em evidências. Agora, vamos explorar juntos o que as evidências dizem sobre essa prática.

Evidências científicas do uso da osteopatia na DTM

Entre os estudos disponíveis sobre o tema, vamos iniciar destacando o artigo de Hernando et al. (2022), publicado na European Journal of Osteopathy, que investigou os efeitos de um protocolo osteopático estruturado (com técnicas somáticas e viscerais) em 30 pacientes com diagnóstico clínico de DTM miofascial, segundo critérios RDC/TMD.

Protocolos utilizados no estudo:

  • Liberação miofascial da musculatura suboccipital, masseter, temporal e pterigoideo lateral;
  • Mobilizações articulares da ATM, coluna cervical e torácica;
  • Técnicas viscerais no estômago, esôfago, diafragma e fígado, visando regulação autonômica;
  • Sessões com duração de 30 minutos, uma vez por semana, durante 4 semanas.

Principais resultados:

  • Redução significativa da dor orofacial, avaliada pela Escala Visual Analógica (EVA), com média de queda de 5,6 para 2,2 ao final da intervenção;
  • Aumento da amplitude de abertura bucal ativa de 31 mm para 41 mm (média);
  • Melhora da mobilidade cervical e redução da tensão muscular em músculos cervico-cranio-mandibulares;
  • Efeitos mantidos após 30 dias, demonstrando sustentação clínica do tratamento.

Fundamentos biomecânicos e neurofisiológicos da abordagem osteopática na DTM

O primeiro ponto a ser reforçado é que a disfunção da ATM raramente é isolada. A osteopatia reconhece essa disfunção como parte de uma cadeia funcional mais ampla, que conecta o sistema crânio-cervical com estruturas torácicas e viscerais, como o diafragma e o sistema digestório alto.

O artigo publicado no European Journal of Osteopathy (Vol. 17, N.2) descreve os seguintes mecanismos terapêuticos:

  • Inibição da atividade nociceptiva central, especialmente em pacientes com hipersensibilidade secundária, por meio da estimulação de aferências mecanorreceptoras;
  • Normalização do tônus muscular mandibular e cervical, com redução de trigger points;
  • Ação sobre disfunções viscerossomáticas, como refluxo gastroesofágico e tensão diafragmática, frequentemente associadas à DTM de origem funcional;
  • Regulação do sistema nervoso autônomo, com ênfase em equilíbrio simpático-parassimpático, por meio de técnicas viscerais e cranianas.

Abordagem clínica: como o fisioterapeuta pode aplicar a osteopatia na DTM?

Fisioterapeutas com formação em osteopatia podem estruturar um plano terapêutico individualizado com base em diferentes pilares tanto durante a avaliação quanto na intervenção. Abaixo pontuamos alguns exemplos.

  1. Avaliação funcional global:
  • Postura crânio-cervical;
  • Mobilidade ativa da ATM;
  • Palpação dos músculos mastigatórios e cervicais;
  • Presença de sinais viscerossomáticos (refluxo, dor epigástrica, constipação).
  1. Técnicas frequentemente utilizadas na prática clínica:
  • Liberação miofascial do temporal, masseter e digástrico;
  • Mobilizações articulares da ATM e da primeira costela;
  • Técnica suboccipital de Jones para inibição reflexa;
  • Técnicas viscerais no fígado, diafragma e trato digestivo alto;
  • Técnicas cranianas para regulação da tensão intracraniana e melhora da mobilidade dural.

Discussão com base em autores reconhecidos

As técnicas osteopáticas têm ganhado destaque por seus resultados no tratamento da DTM, sendo reconhecidas internacionalmente por vários estudos científicos. Entre eles, podemos destacar algumas evidências:

  • Licciardone et al. (2020) mostraram que manipulações osteopáticas reduziram a dor e a limitação funcional em DTM com menos necessidade de fármacos (Journal of the American Osteopathic Association);
  • Fernández-de-las-Peñas et al. (2018) destacam a importância da avaliação da dor cervical e dos pontos gatilho na musculatura suboccipital em pacientes com DTM miofascial;
  • Zito et al. (2006) descreveram efeitos imediatos de técnicas manipulativas cervicais na dor e abertura bucal de pacientes com DTM.

Esses estudos reforçam a credibilidade científica do modelo osteopático, desde que aplicado com critério, avaliação individualizada e conhecimento biomecânico aprofundado.

Conclusão: a osteopatia como ferramenta valiosa na prática fisioterapêutica para DTM

Com base nos textos analisados nesse artigo, reafirmamos a osteopatia como uma abordagem eficaz, segura e funcional para pacientes com DTM, especialmente nos casos miofasciais e disfuncionais.

A atuação do fisioterapeuta osteopata – com foco na globalidade, na escuta clínica e no raciocínio manual – pode representar uma mudança de paradigma no tratamento dessa condição. A integração entre avaliação biomecânica, abordagem manual e regulação autonômica abre novas possibilidades terapêuticas baseadas em evidência e centradas no paciente.

Referências

  1. Hernando P, et al. Tratamiento osteopático somático y visceral en pacientes con DTM. The European Journal of Osteopathy, 2022.
  2. The European Journal of Osteopathy. Vol. 17, No. 2, 2022.
  3. Licciardone JC, et al. Osteopathic manual treatment in patients with temporomandibular disorders: a randomized clinical trial. JAOA, 2020.
  4. Fernández-de-las-Peñas C, et al. Trigger points in temporomandibular disorders. Manual Therapy, 2018.
  5. Zito G, et al. Immediate effects of high-velocity low-amplitude manipulation of the upper cervical spine on pain and mouth opening in patients with temporomandibular disorders. Journal of Manipulative and Physiological Therapeutics, 2006