Autoria de LETÍCIA JONAS DE FREITAS, fisioterapeuta, mestra e doutoranda pela USP de Ribeirão Preto/SP.
Como fisioterapeutas e osteopatas ouvimos frequentemente sobre a prática baseada em evidência ou sobre a importância das evidências científicas na nossa prática clínica.
Imagine você indo para um lugar novo pela primeira vez e você precisa ir dirigindo. Há várias opções de rota, com diferentes caminhos que podem (ou não) economizar o seu tempo e fazer você chegar mais rápido ao destino. Você conhece algumas ruas e tem suas preferências. Além disso, seu(sua) parceiro(a) diz que não gosta muito do trajeto que você estava pensando, então você considera a opinião dele(a). Nesse momento, você opta por ligar o GPS, o aplicativo te dará opções considerando o trânsito, as ruas interditadas e o tempo que você vai gastar. Assim, você terá alternativas que levam em conta três fatores: suas preferências, as preferências do(a) parceiro(a) e as condições em tempo real.
A prática baseada em evidência possui 3 Pilares:
- As evidências científicas (os caminhos que podem te levar ao destino final);
- A experiência clínica (o conhecimento do caminho, experiência e preferência dos caminhos);
- As preferências do seu paciente (equivalentes às opiniões do(a) parceiro(a) sobre a melhor rota).
Nesse sentido, a prática baseada em evidências age como um GPS, organizando e guiando o melhor caminho para alcançar o objetivo final: a melhora da condição do paciente.
As evidências científicas: robustas ou frágeis?
Entre as evidências disponíveis, temos aquelas consideradas “mais fracas” e outras consideradas “mais robustas”, tema discutido no blog do mês anterior (“Evidências científicas”). É importante destacar que, embora as evidências “mais fracas” possam ter limitações, elas possuem seu valor e são úteis para objetivos específicos. Por outro lado, mesmo as evidências “mais fortes” podem apresentar falhas ou limitações, exigindo cautela ao interpretá-las. Por isso, o lema é: confie desconfiando.
Para melhor exemplificar, vejamos uma revisão sistemática com meta-análise (o melhor tipo de evidência, no topo da pirâmide) que explora a eficácia da terapia manual e terapia com exercícios para tratar dor de cabeça de origem cervicogênica:

Nesse estudo, foram analisados 20 estudos com 1439 pacientes, que avaliaram o impacto desses tratamentos na intensidade e frequência das dores de cabeça. Se lermos somente a conclusão podemos ver que: a manipulação espinhal, exercícios específicos para a cervical, mobilização, por exemplo, podem reduzir a intensidade e frequência das dores de cabeça a curto e longo prazo, além de proporcionarem, pequenas a moderadas melhorias na capacidade funcional dos pacientes. Entretanto, ao ler com mais atenção nós encontramos alguns itens bem relatados pelos autores que nos leva a uma calma ao interpretar esses resultados como:
- Alto risco de Viés: O alto risco de viés pode indicar como algo que pode puxar os resultados para um lado. Nesse caso, os estudos analisados tiveram dificuldade em cegar pacientes ou terapeutas, ou seja, pode ser que os terapeutas ao realizarem a avaliação e reavaliação sabiam qual intervenção o voluntário iria receber ou recebeu, o que pode enviesar a avaliação realizada;
- Monitorar os efeitos adversos: Apenas 8 dos 20 estudos monitoraram efeitos adversos. Embora nenhum evento grave tenha sido relatado, participantes de alguns estudos experimentaram efeitos transitórios, como dor localizada e náusea, que desapareceram em horas ou dias. Na prática clínica, o fato de poucos estudos monitorarem esses efeitos pode gerar insegurança nos terapeutas quanto aos possíveis riscos após a aplicação da técnica;
- Heterogeneidade: O artigo cita que a heterogeneidade entre os artigos selecionados foi alta. A heterogeneidade alta indica que os artigos analisados são muito diferentes entre si. Pode haver diferença nos métodos, amostra diferente, e os resultados mensurados de forma diferente. Tal fato pode trazer alguns problemas: resultados menos claros (alguns mostram que o tratamento melhora e outros não) e menos confiança nas conclusões. Essa diferença entre os estudos pode ser amenizada por cálculos estatístico, específicos, mas não resolve totalmente o problema.
Conclusão
Mesmo que a revisão sistemática com meta-análise seja considerada o “topo da pirâmide” das evidências científicas, é essencial interpretar os resultados com cautela e analisar como o estudo foi conduzido. Normalmente, os autores relatam as limitações de suas pesquisas ao final do artigo, o que ajuda a avaliar sua confiabilidade. No entanto, entender a metodologia e identificar possíveis falhas nos permite escolher o melhor caminho e usar nosso “GPS” da forma mais eficaz possível.